Prisão preventiva para garantia da ordem pública.
Perspectivas atuais e futuras. Lei nº 12.403/2011 e anteprojeto do CPP
Elaborado em 06/2012.
No projeto de CPP, os critérios de conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal seriam substituídos por outros mais objetivos, quais sejam, fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença.
Resumo: O presente trabalho trata da garantia da ordem pública como fundamento para a prisão preventiva, abordando, em específico, as disposições da novel lei nº 12.403/2011 e do anteprojeto do Código de Processo Penal (em tramitação no Congresso Nacional), relativas a esse assunto.
Palavras-chave: prisão preventiva – garantia da ordem pública.
No último dia 5 de maio de 2011, foi publicada a lei nº 12.403, vigente desde 04 de julho, que promoveu substancial alteração no Código de Processo Penal, em específico nas disposições referentes à prisão preventiva, liberdade provisória e fiança. Além disso, por citado diploma legal, foram introduzidas, no âmbito do processo penal brasileiro, as medidas cautelares alternativas à prisão, sendo esse o ponto alto da reforma.
Referido diploma legal reformador é resultado do Projeto de Lei (PL) nº 4.208, apresentado pelo Poder Executivo Federal ao Congresso Nacional em 8 de março de 2001, tendo sido elaborado por uma comissão instituída pelo então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, formada pelos notáveis juristas Ada Pellegrini Grinover, Luiz Flávio Gomes, Antônio Scarance Fernandes e René Ariel Dotti, cujo objetivo precípuo era apresentar propostas de reforma do CPP, vigente desde 1941, que se apresentassem consentâneas com a nova ordem constitucional implementada com a vigência da Constituição de 1988. Visou-se, assim, implementar um “processo penal constitucional”.
O fato é que, dentre as diversas alterações sugeridas pela comissão de notáveis juristas estava a de reforma da redação do art. 312, caput, do CPP, dispositivo esse que trata dos requisitos (pressupostos e fundamentos) para decretação da prisão preventiva. A redação do art. 312, caput, do CPP, assim rezava (e ainda reza):
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”[1].
O ponto sublime, indubitavelmente, é o referente à supressão do texto legal das controversas expressões “garantia da ordem pública” e “garantia da ordem econômica”, substituídas por “fundadas razões de que o indiciado ou acusado (…) venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa”.
A necessidade de reforma do caput do art. 312 do CPP, visava, sobretudo, por fim às intermináveis discussões quanto ao que necessariamente é “ordem pública”, expressão que é tida pela doutrina e pela jurisprudência como “porosa”[2], de difícil determinação.
A dificuldade em se definir o que seja “ordem pública” decorre do “indeterminismo” de tal expressão, o que, em decorrência disso, tem admitido a utilização dessa locução em sentido amplo e ilimitado. A propósito, prelecionando acerca da ordem pública enquanto “conceito indeterminado”, Fábio Rammazini Bechara afirma que:
Ademais, após um estudo aprofundado acerca do tema referente à “garantia da ordem pública”, em que foram comparadas as definições fornecidas pela doutrina e pela jurisprudência, o Promotor de Justiça paulista Fauzi Hassan Choukr identificou “um cenário marcado pelo profundo descompasso entre o Código de Processo Penal, a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos”[5], concluindo que:
No entanto, a despeito dos diversos pontos positivos que poderiam advir da reforma proposta pela comissão de eméritos juristas (notadamente a supressão do texto legal da expressão “ordem pública”), o fato é que, no dia 25 de junho de 2008, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta do então deputado federal e hoje Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (PT-SP), levando a efeito profundas alterações à redação original do PL nº 4.208/2001, as quais acabaram por desfigurar por completo a proposta original.
A principal modificação executada pela Câmara dos Deputados em relação ao texto primitivo do PL nº 4.208/2001 foi, justamente, a manutenção na íntegra da atual redação do caput do art. 312 do CPP (aí se incluindo as expressões “garantia da ordem pública” e “garantia da ordem econômica”), no que restaram descartados, pois, os critérios objetivos aventados inicialmente pela comissão reformadora.
A alteração implementada pela Câmara dos Deputados acabou referendada no Senado Federal, de modo que, assim, restou promulgada a lei nº 12.403/2011, mantendo-se, incólume, portanto, o caput do art. 312 do CPP, não obstante as alterações que restaram implementadas no parágrafo único do artigo mencionado, bem como a reforma operada no art. 313 do diploma processual, dispositivo esse que passou a determinar, de forma mais objetiva, as condições ou hipóteses legais de admissibilidade da prisão preventiva.
Não obstante os incontroversos pontos positivos das propostas elaboradas pela comissão de notáveis, o fato é que o âmago da reforma foi rejeitado pela Câmara dos Deputados quando esta optou por manter inalterada a expressão “ordem pública”, alimentando ainda mais as intermináveis discussões figadais acerca do indeterminismo e alcance dessa expressão.
No anteprojeto do novo Código de Processo Penal, elaborado por outra comissão de juristas[8], coordenada pelo Ministro do STJ Hamilton Carvalhido, figurando como relator o Procurador da República e processualista Eugênio Pacelli de Oliveira, são conferidos novos requisitos para decretação da prisão preventiva, mantendo-se, contudo, a expressão “ordem pública”. Confira-se:
Em resumo, com a manutenção da expressão “garantia da ordem pública”, tanto pela lei nº 12.403/2011 quanto pelo futuro advento do novo CPP – cujo projeto está em tramitação no Congresso Nacional –, ver-se-á a continuidade, ad infinitum, da celeuma relativa à admissibilidade ou não desse fundamento para decretação da prisão preventiva, cabendo à doutrina, aos magistrados de primeiro grau e aos Tribunais conferirem interpretações as mais diversas ao conceito de “ordem pública”, interpretações essas nada pacíficas, sempre passíveis de discussão intermináveis.
Segundo a proposta da comissão, o caput do art. 312 passaria a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada quando verificados a existência de crime e indícios suficientes de autoria e ocorrerem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa”.Como se vê, de acordo com a redação do art. 312, caput, do CPP, sugerida pela comissão de juristas, os fundamentos relativos à “conveniência da instrução criminal” e à “aplicação da lei penal” seriam substituídos por critérios mais objetivos, quais sejam, “fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença”.
O ponto sublime, indubitavelmente, é o referente à supressão do texto legal das controversas expressões “garantia da ordem pública” e “garantia da ordem econômica”, substituídas por “fundadas razões de que o indiciado ou acusado (…) venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa”.
A necessidade de reforma do caput do art. 312 do CPP, visava, sobretudo, por fim às intermináveis discussões quanto ao que necessariamente é “ordem pública”, expressão que é tida pela doutrina e pela jurisprudência como “porosa”[2], de difícil determinação.
A dificuldade em se definir o que seja “ordem pública” decorre do “indeterminismo” de tal expressão, o que, em decorrência disso, tem admitido a utilização dessa locução em sentido amplo e ilimitado. A propósito, prelecionando acerca da ordem pública enquanto “conceito indeterminado”, Fábio Rammazini Bechara afirma que:
“A ordem pública enquanto conceito indeterminado, caracterizado pela falta de precisão e ausência de determinismo em seu conteúdo, mas que apresenta generalidade e abstração, põe-se no sistema como inequívoco princípio geral, cuja aplicabilidade manifesta-se nas mais variadas ramificações das ciências em geral, notadamente no direito, preservado, todavia, o sentido genuinamente concebido. A indeterminação do conteúdo da expressão faz com que a função do intérprete assuma um papel significativo no ajuste do termo”[3].Desse modo, o indeterminismo do conceito de “ordem pública” levou a doutrina processualista penal, os magistrados de primeiro grau e os tribunais, de um modo geral, a suprir as lacunas deixadas pelo legislador ordinário, surgindo, assim, diversos argumentos com vistas a legitimar os decretos prisionais. Dessa forma, atualmente, sem prejuízo de outras interpretações, tem-se entendido como válida a prisão preventiva quando decretada em qualquer das seguintes situações: 1) acautelamento do meio social; 2) reiteração da prática criminosa; 3) periculosidade concreta do agente, evidenciada pelo seu modus operandi e pelos seus antecedentes; 4) gravidade concreta do delito, caracterizada pela sua forma de execução, aliada às altas penas cominada à infração; 5) repercussão social de delito grave; 6) credibilidade da justiça[4].
Ademais, após um estudo aprofundado acerca do tema referente à “garantia da ordem pública”, em que foram comparadas as definições fornecidas pela doutrina e pela jurisprudência, o Promotor de Justiça paulista Fauzi Hassan Choukr identificou “um cenário marcado pelo profundo descompasso entre o Código de Processo Penal, a Constituição Federal e a Convenção Americana de Direitos Humanos”[5], concluindo que:
“Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal mostrou-se capaz de fornecer linhas de atuação, deixando ao sabor arbitrário do julgador (vez que inexistem parâmetros) no caso concreto entender o que é ou não ordem pública. A ausência de parâmetro faz com que aflore o uso da fórmula em seu aspecto puramente retórico, nela podendo ser inserida ou retirada a hipótese desejada sem que trauma formal algum seja sentido”[6].Daí a necessidade de reforma do art. 312, caput, do CPP, objetivando, a um só tempo, por fim às discussões quanto ao conceito de “ordem pública” e estabelecer uma baliza legal que deveria ser obedecida pelo magistrado de primeiro grau quando da decretação da prisão preventiva, extremada medida de restrição cautelar da liberdade de locomoção do indivíduo, a qual, a partir da redação do art. 282, § 4º, do CPP (com redação determinada pela lei nº 12.403/2011), passou a ser a “extrema ratio da ultima ratio”[7] do processo penal.
No entanto, a despeito dos diversos pontos positivos que poderiam advir da reforma proposta pela comissão de eméritos juristas (notadamente a supressão do texto legal da expressão “ordem pública”), o fato é que, no dia 25 de junho de 2008, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta do então deputado federal e hoje Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo (PT-SP), levando a efeito profundas alterações à redação original do PL nº 4.208/2001, as quais acabaram por desfigurar por completo a proposta original.
A principal modificação executada pela Câmara dos Deputados em relação ao texto primitivo do PL nº 4.208/2001 foi, justamente, a manutenção na íntegra da atual redação do caput do art. 312 do CPP (aí se incluindo as expressões “garantia da ordem pública” e “garantia da ordem econômica”), no que restaram descartados, pois, os critérios objetivos aventados inicialmente pela comissão reformadora.
A alteração implementada pela Câmara dos Deputados acabou referendada no Senado Federal, de modo que, assim, restou promulgada a lei nº 12.403/2011, mantendo-se, incólume, portanto, o caput do art. 312 do CPP, não obstante as alterações que restaram implementadas no parágrafo único do artigo mencionado, bem como a reforma operada no art. 313 do diploma processual, dispositivo esse que passou a determinar, de forma mais objetiva, as condições ou hipóteses legais de admissibilidade da prisão preventiva.
Não obstante os incontroversos pontos positivos das propostas elaboradas pela comissão de notáveis, o fato é que o âmago da reforma foi rejeitado pela Câmara dos Deputados quando esta optou por manter inalterada a expressão “ordem pública”, alimentando ainda mais as intermináveis discussões figadais acerca do indeterminismo e alcance dessa expressão.
No anteprojeto do novo Código de Processo Penal, elaborado por outra comissão de juristas[8], coordenada pelo Ministro do STJ Hamilton Carvalhido, figurando como relator o Procurador da República e processualista Eugênio Pacelli de Oliveira, são conferidos novos requisitos para decretação da prisão preventiva, mantendo-se, contudo, a expressão “ordem pública”. Confira-se:
“Art. 554. Havendo prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, a prisão preventiva poderá ser decretada:O legislador ordinário errou ao não suprimir a locução “ordem pública” do texto do art. 312, caput, do CPP. E, caso seja aprovado o anteprojeto do CPP em tramitação no Congresso Nacional, ver-se-á perdida a oportunidade de por fim às diversas e controversas interpretações conferidas pela doutrina, magistrados e jurisprudência à expressão “ordem pública”.
I – como garantia da ordem pública ou da ordem econômica;
II – por conveniência da instrução criminal;
III – para assegurar a aplicação da lei penal;
IV – em face da extrema gravidade do fato;
V – diante da prática reiterada de crimes pelo mesmo autor.
§1º A prisão preventiva jamais será utilizada como forma de antecipação da pena”[9].
Em resumo, com a manutenção da expressão “garantia da ordem pública”, tanto pela lei nº 12.403/2011 quanto pelo futuro advento do novo CPP – cujo projeto está em tramitação no Congresso Nacional –, ver-se-á a continuidade, ad infinitum, da celeuma relativa à admissibilidade ou não desse fundamento para decretação da prisão preventiva, cabendo à doutrina, aos magistrados de primeiro grau e aos Tribunais conferirem interpretações as mais diversas ao conceito de “ordem pública”, interpretações essas nada pacíficas, sempre passíveis de discussão intermináveis.
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