A execução de honorários advocatícios e a penhora sobre a retribuição pecuniária da pessoa natural devedora
Elaborado em 06/2012.
Pode ser penhorado o salário da pessoa devedora de honorários. Estando em questão duas verbas de natureza alimentar, deve-se privilegiar o credor na execução.
Resumo: O inadimplemento dos honorários advocatícios pode gerar processo de execução ou cumprimento de sentença, conforme a natureza do título. No entanto, inexistindo bem penhorável, inclusive, à luz da gradação prevista no art. 655 do Código de Processo Civil, de modo a restar frustrada a pretensão executória, torna-se juridicamente plausível a penhora sobre a retribuição pecuniária da pessoa natural devedora, em que pese o disposto no art. 649, inc. IV, do Código de Processo Civil. A verba honorária advocatícia possui caráter alimentar do mesmo modo que a retribuição pecuniária do devedor. Mas, uma vez patente a correspondente antinomia aparente de normas válidas no direito interno, soluciona-se pelo critério de especialidade, em virtude de que o Estatuto da Advocacia e da OAB é lei especial. Por tal razão, entende-se ser hábil a pretensa penhora, ainda que, ultima ratio, na alíquota de 30% (trinta por cento) sobre a verba salarial líquida mensal, até o adimplemento integral da dívida, atendidos, pois, no caso concreto, os princípios da dignidade da pessoa humana e do resultado. Tal desiderato prestigia o credor, desestimula a fomentação pela inadimplência do devedor e reduz a sensação de impunidade no meio societário.
Palavras-chave: Execução. Honorários advocatícios. Penhora. Retribuição pecuniária. Plausibilidade jurídica.
Sumário: 1 Introdução. 2 Honorários advocatícios. 3 Impenhorabilidade da retribuição pecuniária. 4 Nossa tese. 5 Conclusão. 6 Referências.
1 Introdução.
Questão peculiar nas relações contratuais prestadoras de serviços advocatícios é o inadimplemento dos respectivos honorários.
Logo, a execução ou o cumprimento de sentença – conforme a natureza do título – se torna próprio e necessário.
O contrato particular de prestação de serviços advocatícios é título executivo extrajudicial, a teor do art. 585, inc. II, do Código de Processo Civil, ressalvando-se a desnecessidade das assinaturas de testemunhas, conforme o art. 24 da Lei Federal n. 8.906/1994, e, jurisprudencialmente: “(...). II. O contrato de honorários advocatícios, tanto na vigência da Lei n. 4.215/1963, art. 100, parágrafo único, como agora, pela Lei n. 8.906/1994, art. 24, constitui título executivo, bastando para a sua formalização a assinatura das partes, não afastando a via processual respectiva a ausência da firma de duas testemunhas, posto que tal exigência do art. 585, II, é norma geral que não se sobrepuja às especiais, como, inclusive, harmonicamente, prevê o inciso VII da referenciada norma adjetiva. (...).” (STJ – 4ª Turma – Recurso Especial n. 400.687/AC – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior – Julg. 14/11/2006 – Publ. DJ 05/02/2007, p. 239).
A favor da penhora:
Mas, por outro lado, o objeto da pretendida penhora em desfavor da pessoa natural devedora, sob a nomenclatura “retribuição pecuniária” (expressão utilizada por Assis, 2007, p. 228), também detém natureza alimentar, razão do seu caráter de impenhorabilidade “absoluta”, nos termos do art. 649, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Está-se diante de uma antinomia. “Sendo aparente a antinomia, o intérprete ou o aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas. Tal conciliação se dá por meio de subsunção, mediante simples interpretação, aplicando-se um dos critérios de solução fornecidos pelo próprio sistema normativo (cronológico, hierárquico e da especialidade).” (Diniz, 2009, p. 26).
Nesse diapasão, urge a colisão de direitos, ambos de natureza alimentar. Então, entre o crédito alimentar do advogado e a natureza idêntica da retribuição pecuniária (vencimentos, salários, proventos etc.) do devedor pessoa natural, deve-se sobressair o direito do primeiro, porquanto na condição de credor (este é o diferencial, i. é, o ponto nevrálgico da quaestio).
E por quê? Por aplicar-se o critério de especialidade (lex specialis derogat legi generali) para a solução da antinomia no direito interno. Ora, o ordenamento jurídico apresenta conflitos. Mas, o jurista – que não tem poder normativo – deverá descrever o sistema com inconsistência normativa, i. é, não pode haver incoerência lógica.
Então, entre o Código de Processo Civil (lei geral – art. 649, inc. IV) e o Estatuto da Advocacia e da OAB (lei especial – arts. 22 usque 24) – ambas normas válidas –, deve-se prevalecer a lex specialis.
Tal tese (plausibilidade jurídica da penhora sobre a retribuição pecuniária da pessoa natural devedora de honorários advocatícios em sede de execução) foi esboçada no ano de 2009 pelo autor deste artigo, nos autos do processo n. 0274751-11.2006.8.13.0071 (Comarca de Boa Esperança – MG), tendo obtido êxito perante o Poder Judiciário.
Atualmente, a jurisprudência firma-se: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR, MESMO QUANDO SE TRATAR DE VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COLISÃO ENTRE O DIREITO A ALIMENTOS DO CREDOR E O DIREITO DE MESMA NATUREZA DO DEVEDOR. 1.- Honorários advocatícios, sejam contratuais, sejam sucumbenciais, possuem natureza alimentar. (EREsp 706331/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Corte Especial, DJe 31/03/2008). 2.- Mostrando-se infrutífera a busca por bens a serem penhorados e dada a natureza de prestação alimentícia do crédito do exequente, de rigor admitir o desconto em folha de pagamento do devedor, solução que, ademais, observa a gradação do art. 655 do CPC, sem impedimento da impenhorabilidade constatada do art. 649, IV, do CPC. 3.- Recurso Especial provido.” (STJ – 3ª Turma – Recurso Especial n. 948.492/ES – Rel. Min. Sidnei Beneti – Julg. 1º/12/2011 – Publ. DJe 12/12/2011).
Vale transcrever o voto do Min. Sidnei Beneti: “(...). 5.- O presente processo, como visto, retrata confronto entre o direito do devedor à impenhorabilidade dos frutos de seu trabalho e o direito do credor, que defende fazer jus a prestação que também tem caráter alimentar. Opõem-se, assim, a regra do art. 649, IV, do CPC, àquelas previstas nos arts. 2º e 5º do Código de Ética da OAB e arts. 22, 23 e 24 da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), bem como o art. 20, § 5º, das quais se deduz a natureza alimentar dos honorários advocatícios. (...). No presente caso, opõem-se os direitos apenas de credor e devedor. Não somente os vencimentos deste se consideram verbas alimentícias, mas também o crédito do primeiro, decorrente de verbas de sucumbência. (...). 7.- Admitida a natureza alimentícia do crédito vindicado pelo recorrente, não há porque deixar de admitir que se caracteriza a exceção prevista no art. 649, IV, do CPC. Embora o caput do artigo estabeleça serem absolutamente impenhoráveis os bens ali enumerados, prevê exceções nos §§ 1º e 2º. No caso, mostrando-se infrutífera a busca por bens a serem penhorados e dada a natureza de prestação alimentícia do crédito do recorrente, de rigor admitir o desconto em folha de pagamento do devedor, solução que, ademais, observa a gradação do art. 655 do CPC. (...).”
Lado outro, enaltece-se também posição jurisprudencial favorável à penhora, porém, com restrição. Senão, vejamos. “(...). Considerando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além das particularidades inerentes ao caso, a penhora incidente sobre valores não superiores a 30% (trinta por cento) do salário, tem o condão de ponderar a menor onerosidade possível a ser imposta ao devedor com a efetividade da execução.” (TJMG – 1ª Câmara Cível – Agravo n. 1.0024.08.076643-9/001 – Rel. Des. Armando Freire – Julg. 23/09/2008 – Publ. 17/10/2008).
De mais a mais, à luz do princípio da proporcionalidade, que “traduz a busca do equilíbrio e harmonia, da ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto como melhor forma de aplicação e efetivação destes mesmos direitos” (CAMPOS, 2004, p. 28), entende-se ser viável, quando o caso concreto merecer adequação, a penhora de apenas 30% (trinta por cento) da retribuição pecuniária líquida mensal da pessoa natural devedora em prol do exequente, de modo a congratular também os princípios da dignidade da pessoa humana e do resultado, respectivamente.
Enfim, nos casos judiciais concretos, quando comprovadamente restar impossível ser efetivada a integral penhora sobre a verba salarial, deve-se efetivá-la na alíquota de 30% (trinta por cento) sobre a retribuição pecuniária líquida (e não bruta) mensal. Justificável, pois, por regra, tal penhora parcial, até o adimplemento integral da dívida (em nosso estudo, os honorários advocatícios), não tem o condão exclusivo de levar o executado (pessoa natural) à insolvência civil, até porque, hodiernamente, é prática usual de mercado o empréstimo consignado com decote salarial mensal por tal alíquota, não inviabilizando a manutenção pessoal e familiar.
No entanto, registre-se que o tema em pauta não é pacífico, senão, os tribunais – de um modo geral – têm entendido pela impenhorabilidade salarial de modo absoluto.
Mas, urge se posicionar de modo diverso, ou seja, possibilitar a penhora em comento. Ora, é cediço que o inadimplemento da verba honorária advocatícia possibilita a execução, e, uma vez inexistindo bem penhorável – inclusive, depois de observada a gradação prevista no art. 655 do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei Federal n. 11.382/2006, in verbis: “A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – veículos de via terrestre; III – bens móveis em geral; IV – bens imóveis; V – navios e aeronaves; VI – ações e quotas de sociedades empresárias; VII – percentual do faturamento de empresa devedora; VIII – pedras e metais preciosos; IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI – outros direitos.” –, restando, pois, frustrada a pretensão executória, entende-se ser juridicamente plausível a penhora sobre a retribuição pecuniária líquida mensal da pessoa natural devedora, mormente quando esta detém renda mensal hábil à satisfação da obrigação.
Forçoso destacar que o inadimplemento é, por vezes, reflexo do senso de impunidade, pela qual a sociedade está cada vez mais descrente, não obstante também a crise financeira que assola todos os continentes, gerando desemprego (p. ex.). Em outros casos, são puros comportamentos antiéticos de certos devedores, praticados em contraposição ao princípio valorativo que exige fomentar o retilíneo cumprimento da obrigação assumida.
Destarte, deve-se prestigiar o credor, e não favorecer o devedor, de modo a não incentivar a inadimplência, gerando a respectiva sensação de impunidade, em típica violação à segurança jurídica, propiciando, por via de consequência, o enriquecimento sem causa, a partir da natureza comutativa do contrato de mandato.
2 Honorários advocatícios.
Dispõe o art. 22, caput, da Lei Federal n. 8.906/1994 que: “A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.”“Chamam-se de honorários advocatícios as verbas que sejam devidas ao advogado em virtude de seu trabalho, e que não se encaixem no conceito de salário, remuneração própria dos advogados empregados, ou no conceito de vencimentos, devidos aos advogados públicos, (...).” (Mamede, 2002, p. 85).Honorários advocatícios convencionados, inclusive, os quota litis, são aqueles contratados entre o advogado e o seu cliente, atendidos os elementos do art. 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB, de modo a remunerar a prestação dos serviços judicial ou extrajudicialmente. Já os honorários advocatícios fixados por arbitramento judicial são aqueles que: a) segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, serão suportados pelo Estado, nos casos em que o advogado patrocinar causa de juridicamente necessitado (art. 22, § 1º, da Lei Federal n. 8.906/1994); ou b) na falta de estipulação ou de acordo entre o advogado e seu cliente, a remuneração será fixada com base na referida tabela de honorários, e compatível com o trabalho e o valor econômico da questão (art. 22, § 2º, da Lei Federal n. 8.906/1994). Por seu turno, os honorários advocatícios sucumbenciais são aqueles tidos como ônus da sucumbência, isto é, nos termos do art. 20, caput, do Código de Processo Civil, “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”, restando aplicáveis os §§ 3º e 4º do dispositivo legal em apreço.
O contrato particular de prestação de serviços advocatícios é título executivo extrajudicial, a teor do art. 585, inc. II, do Código de Processo Civil, ressalvando-se a desnecessidade das assinaturas de testemunhas, conforme o art. 24 da Lei Federal n. 8.906/1994, e, jurisprudencialmente: “(...). II. O contrato de honorários advocatícios, tanto na vigência da Lei n. 4.215/1963, art. 100, parágrafo único, como agora, pela Lei n. 8.906/1994, art. 24, constitui título executivo, bastando para a sua formalização a assinatura das partes, não afastando a via processual respectiva a ausência da firma de duas testemunhas, posto que tal exigência do art. 585, II, é norma geral que não se sobrepuja às especiais, como, inclusive, harmonicamente, prevê o inciso VII da referenciada norma adjetiva. (...).” (STJ – 4ª Turma – Recurso Especial n. 400.687/AC – Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior – Julg. 14/11/2006 – Publ. DJ 05/02/2007, p. 239).
“Os honorários são cobrados mediante processo de execução. São títulos executivos: I – extrajudicial: o contrato escrito de honorários que preencha os requisitos dos arts. 221, 593 e s. do Código Civil e que deve ser o padrão adotado pelo advogado; II – judicial: a decisão judicial que os fixar na sucumbência ou os arbitrar, no caso de ausência de contrato escrito. Os honorários constituem crédito privilegiado, no mesmo nível dos créditos trabalhistas, em virtude de resultarem da mesma natureza, ou seja, do trabalho humano, em qualquer hipótese em que haja concurso de créditos: falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.” (Lôbo, 2008, p. 150 e 151).
3 Impenhorabilidade da retribuição pecuniária.
Estabelece o art. 649 do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei Federal n. 11.382/2006 que: “São absolutamente impenhoráveis: (...); IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, (...).”“O art. 649 do CPC contempla o beneficium competentiae (benefício de competência), ou seja, a impenhorabilidade absoluta do estritamente necessário à sobrevivência do executado, e de sua família, e à sua dignidade. (...). O art. 649, IV, na redação da Lei 11.382/2006, ampliou a impenhorabilidade da remuneração da pessoa natural. (...). Indiferente aos riscos da explicitação, o art. 649, IV, adotou fórmula analítica. Enumerou verbas com acepções técnicas diferentes. (...).” (Assis, 2007, p. 222 e 228).Jurisprudencialmente, os entendimentos são diversos, em que pese visível posição majoritária pela impenhorabilidade absoluta de verba de natureza alimentar. Senão, vejamos.
A favor da penhora:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO – BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA CORRENTE – SALÁRIO – POSSIBILIDADE LIMITADA A 30%. É admissível a penhora de saldo em conta corrente, desde que limitada a 30% do valor líquido do depósito.” (TJMG – 14ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento n. 1.0024.02.751912-3/003 – Rel. Des. Valdez Leite Machado – Julg. 18/03/2010 – Publ. 11/05/2010).Contra a penhora:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – BLOQUEIO ON LINE – DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DOS MEIOS DE LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS – PENHORA DE VALORES PROVENIENTES DE BENEFÍCIO DE NATUREZA ALIMENTAR – POSSIBILIDADE – LIMITE DE 30%. O deferimento do pedido de bloqueio de importância em dinheiro, por meio do sistema BACEN-JUD, independe da existência de outros bens a serem constritos, bem como da demonstração de o exequente ter esgotado todos os meios para a localização de bens penhoráveis, tendo em vista a reformulada ordem de preferência de penhora estabelecida pelo artigo 655 do Código de Processo Civil. Tanto o texto constitucional quanto o processual vedam a retenção de salários, pois é através desses que os trabalhadores se mantêm e sustentam suas respectivas famílias, quitando seus compromissos quotidianos. O artigo que veda a penhora sobre os salários, soldos e proventos deve ser interpretado levando-se em consideração as outras regras processuais civis. Serão respeitados os princípios da própria execução, entre eles o de que os bens do devedor serão revertidos em favor do credor, a fim de pagar os débitos assumidos. A penhora de apenas uma porcentagem da verba de natureza alimentar não fere o espírito do artigo 649 do Código de Processo Civil.” (TJMG – 9ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento n. 1.0024.99.034628-0/001 – Rel. Des. José Antônio Braga – Julg. 07/07/2009 – Publ. 20/07/2009).
“PENHORA. INCIDÊNCIA SOBRE PROVENTOS DE APOSENTADORIA. IMPENHORABILIDADE. 1. Embora o art. 649, IV, do CPC, reze ser absolutamente impenhorável o provento de aposentadoria (assim como o salário e outros rendimentos), a interpretação literal desse dispositivo deve ser mitigada. 2. Em casos em que se observe que o rendimento do devedor pode fazer frente ao pagamento de suas despesas básicas e ainda suportar pagamento, ainda que parcial, de sua dívida para com o credor, deve-se buscar o prevalecimento do princípio da efetividade. 3. Tem-se, assim, que o provento de aposentadoria é, em princípio, impenhorável, cabendo constrição de eventual excedente, que não cause impossibilidade de sustento do devedor (em preservação de sua dignidade como pessoa humana). (...).” (TJSP – 14ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento n. 0048301-61.2012.8.26.0000 – Rel. Des. Melo Colombo – Julg. 30/05/2012 – Publ. 05/06/2012).
“PROCESSO CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE VALORES EM CONTA CORRENTE. PROVENTOS DE FUNCIONÁRIA PÚBLICA. NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE. ART. 649, IV, DO CPC. 1. É possível a penhora “on line” em conta corrente do devedor, contanto que ressalvados valores oriundos de depósitos com manifesto caráter alimentar. 2. É vedada a penhora das verbas de natureza alimentar apontadas no art. 649, IV, do CPC, tais como os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria e pensões, entre outras. 3. Recurso especial provido.” (STJ – 3ª Turma – Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Recurso Especial n. 1.223.838/RS – Rel. Min. Vasco Della Giustina – Julg. 03/05/2011 – Publ. DJe 11/05/2011).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – PENHORA DE VENCIMENTOS DEPOSITADOS EM CONTA CORRENTE – IMPOSSIBILIDADE – ART. 649, IV, DO CPC – RECURSO IMPROVIDO. Impossível a penhora ou bloqueio de valores oriundos de salários ou vencimentos depositados em conta corrente do agravado, na medida em que são impenhoráveis, salvo para pagamento de prestação alimentícia, nos termos do art. 649, IV, do CPC. O vocábulo “salários” deve ser entendido da forma mais abrangente, compreendendo todas as atribuições econômicas devidas e pagas como contraprestação de serviço.” (TJMG – 17ª Câmara Cível – Agravo de Instrumento n. 1.0024.01.585946-5/001 – Rel. Des. Eduardo Mariné da Cunha – Julg. 06/12/2007 – Publ. 10/01/2008).
“Penhora on-line. Alegação de constrição de verba de natureza alimentar. Existência de prova a respeito. Desbloqueio determinado. Inteligência ao art. 649, IV, do CPC. Recurso provido.” (TJSP – 15ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento n. 0066137-47.2012.8.26.0000 – Rel. Des. Araldo Telles – Julg. 30/05/2012 – Publ. 05/06/2012).
4 Nossa tese.
Os honorários advocatícios possuem natureza alimentar (STF – 1ª Turma – Recurso Extraordinário n. 470.407/DF – Rel. Min. Marco Aurélio – Julg. 09/05/2006 – Publ. DJ 13/10/2006, p. 51), representando, pois, “a verba necessarium vitae, através da qual o advogado provê seu sustento” (STJ – 1ª Turma – Recurso Especial n. 706.331/PR – Rel. Min. Luiz Fux – Julg. 18/08/2005 – Publ. DJ 12/09/2005, p. 238).Mas, por outro lado, o objeto da pretendida penhora em desfavor da pessoa natural devedora, sob a nomenclatura “retribuição pecuniária” (expressão utilizada por Assis, 2007, p. 228), também detém natureza alimentar, razão do seu caráter de impenhorabilidade “absoluta”, nos termos do art. 649, inc. IV, do Código de Processo Civil.
Está-se diante de uma antinomia. “Sendo aparente a antinomia, o intérprete ou o aplicador do direito pode conservar as duas normas incompatíveis, optando por uma delas. Tal conciliação se dá por meio de subsunção, mediante simples interpretação, aplicando-se um dos critérios de solução fornecidos pelo próprio sistema normativo (cronológico, hierárquico e da especialidade).” (Diniz, 2009, p. 26).
Nesse diapasão, urge a colisão de direitos, ambos de natureza alimentar. Então, entre o crédito alimentar do advogado e a natureza idêntica da retribuição pecuniária (vencimentos, salários, proventos etc.) do devedor pessoa natural, deve-se sobressair o direito do primeiro, porquanto na condição de credor (este é o diferencial, i. é, o ponto nevrálgico da quaestio).
E por quê? Por aplicar-se o critério de especialidade (lex specialis derogat legi generali) para a solução da antinomia no direito interno. Ora, o ordenamento jurídico apresenta conflitos. Mas, o jurista – que não tem poder normativo – deverá descrever o sistema com inconsistência normativa, i. é, não pode haver incoerência lógica.
Então, entre o Código de Processo Civil (lei geral – art. 649, inc. IV) e o Estatuto da Advocacia e da OAB (lei especial – arts. 22 usque 24) – ambas normas válidas –, deve-se prevalecer a lex specialis.
“(...). CPC E ESTATUTO DA OAB – LEI ESPECIAL PREVALECE SOBRE LEI GERAL – (...). Havendo antinomia de leis, a lei especial prevalece sobre a geral. (...). NOTAS TAQUIGRÁFICAS. O SR. DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA: VOTO. (...). Ressalta-se, por fim, que sendo o Estatuto da Advocacia lei especial, prevalece sobre norma geral, (...).” (TJMG – 10ª Câmara Cível – Apelação n. 1.0024.07.574047-2/001 – Rel. Des. Gutemberg da Mota e Silva – Julg. 25/01/2011 – Publ. 25/01/2011).Aliás, segundo “Bobbio, a superioridade da norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho da justiça, da legalidade à igualdade, por refletir, de modo claro, a regra da justiça suum cuique tribuere”. (Diniz, 2009, p. 40 e 41).
Tal tese (plausibilidade jurídica da penhora sobre a retribuição pecuniária da pessoa natural devedora de honorários advocatícios em sede de execução) foi esboçada no ano de 2009 pelo autor deste artigo, nos autos do processo n. 0274751-11.2006.8.13.0071 (Comarca de Boa Esperança – MG), tendo obtido êxito perante o Poder Judiciário.
“Na verdade, o que se insurge é a dicotomia alimentar tanto do crédito exequendo (considerado pela doutrina civilista como alimentos voluntários, porque emanado de uma declaração de vontade assumida contratualmente por quem tinha o dever de adimplir a obrigação convencionada) quanto do crédito salarial efetivamente convertido em penhora. (...). Compreendida, assim, a natureza alimentar e obrigacional dos honorários advocatícios contratuais, arbitrados judicialmente, tenho como necessário sobrelevá-los à exceção contida no art. 649, § 2º, do Código de Processo Civil, pelo que tangencia que os vencimentos e/ou qualquer espécie de verba salarial não se submetem à impenhorabilidade absoluta, ante o caráter preferencial dos honorários advocatícios, os quais são revestidos pela prestação alimentícia, autorizadora da satisfação do crédito exequendo, pois a exceção (impenhorabilidade salarial) é excepcionada pela penhorabilidade dos créditos alimentares, entre eles os honorários advocatícios. (...). Lado certo e abolindo o injustificável inconformismo, a doutrina processual civil mais moderna também se posiciona a favor da inquestionável natureza alimentar dos honorários advocatícios, pois os são alimentos voluntários ou contratuais, senão vejamos: “Alimentos são valores que se destinam a fazer frente a toda e qualquer necessidade cotidiana da vida. Os alimentos podem ser legítimos, voluntários ou indenizativos. Os primeiros são aqueles devidos em face de parentesco, casamento ou união estável (art. 1.694, CC). Os segundos, aqueles oriundos de negócio jurídico (por exemplo, art. 1.928, parágrafo único, CC). Os terceiros, aqueles devidos em face da prática de ato ilícito (por exemplo, arts. 948, II, 950, CC). (MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 693).” Por outro lado, o conceito de prestação alimentícia não é apenas o concernente aos alimentos familiares, como também os alimentos legais, voluntários e indenizatórios, o que possibilita o desfecho único do processo sincrético, qual seja, satisfazer o direito alimentar do exequente Denilson Victor Machado Teixeira, que há mais de três anos luta com afinco para materializar os seus honorários advocatícios contratuais, (...). À vista do exposto, REJEITO os embargos à execução ofertados pelo requerido (...) em face do requerente (...), para declarar eficaz a penhora eletrônica (...), bem como autorizar o levantamento da quantia arrecadada, por sê-la reflexo alimentar, com fundamento no art. 649, § 2º, do Código de Processo Civil. (...).” (Poder Judiciário do Estado de Minas Gerais – Comarca de Boa Esperança – Processo n. 0071.06.027475-1 – Magistrado Ricardo Acayaba Vieira – Julg. 23/03/2009).A aludida decisão de primeira instância, proferida no âmbito do Juizado Especial Cível, foi mantida pela Segunda Turma Recursal do Grupo Jurisdicional de Varginha – MG, in verbis: “A Turma Recursal, à unanimidade, conheceu do recurso interposto pelo executado, mas negou-lhe provimento, mantendo a r. sentença recorrida por seus próprios fundamentos (...).” (Recurso Inominado n. 0707.09.195085-7 – Rel. Juiz Morvan Rabêlo de Rezende – Julg. 12/11/2009). A posteriori, negou-se seguimento ao Recurso de Agravo por Instrumento n. 822.788, pelo então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, aos 17/11/2010.
Atualmente, a jurisprudência firma-se: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NATUREZA ALIMENTAR, MESMO QUANDO SE TRATAR DE VERBAS DE SUCUMBÊNCIA. PRECEDENTES DA CORTE ESPECIAL E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. COLISÃO ENTRE O DIREITO A ALIMENTOS DO CREDOR E O DIREITO DE MESMA NATUREZA DO DEVEDOR. 1.- Honorários advocatícios, sejam contratuais, sejam sucumbenciais, possuem natureza alimentar. (EREsp 706331/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Corte Especial, DJe 31/03/2008). 2.- Mostrando-se infrutífera a busca por bens a serem penhorados e dada a natureza de prestação alimentícia do crédito do exequente, de rigor admitir o desconto em folha de pagamento do devedor, solução que, ademais, observa a gradação do art. 655 do CPC, sem impedimento da impenhorabilidade constatada do art. 649, IV, do CPC. 3.- Recurso Especial provido.” (STJ – 3ª Turma – Recurso Especial n. 948.492/ES – Rel. Min. Sidnei Beneti – Julg. 1º/12/2011 – Publ. DJe 12/12/2011).
Vale transcrever o voto do Min. Sidnei Beneti: “(...). 5.- O presente processo, como visto, retrata confronto entre o direito do devedor à impenhorabilidade dos frutos de seu trabalho e o direito do credor, que defende fazer jus a prestação que também tem caráter alimentar. Opõem-se, assim, a regra do art. 649, IV, do CPC, àquelas previstas nos arts. 2º e 5º do Código de Ética da OAB e arts. 22, 23 e 24 da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB), bem como o art. 20, § 5º, das quais se deduz a natureza alimentar dos honorários advocatícios. (...). No presente caso, opõem-se os direitos apenas de credor e devedor. Não somente os vencimentos deste se consideram verbas alimentícias, mas também o crédito do primeiro, decorrente de verbas de sucumbência. (...). 7.- Admitida a natureza alimentícia do crédito vindicado pelo recorrente, não há porque deixar de admitir que se caracteriza a exceção prevista no art. 649, IV, do CPC. Embora o caput do artigo estabeleça serem absolutamente impenhoráveis os bens ali enumerados, prevê exceções nos §§ 1º e 2º. No caso, mostrando-se infrutífera a busca por bens a serem penhorados e dada a natureza de prestação alimentícia do crédito do recorrente, de rigor admitir o desconto em folha de pagamento do devedor, solução que, ademais, observa a gradação do art. 655 do CPC. (...).”
Lado outro, enaltece-se também posição jurisprudencial favorável à penhora, porém, com restrição. Senão, vejamos. “(...). Considerando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além das particularidades inerentes ao caso, a penhora incidente sobre valores não superiores a 30% (trinta por cento) do salário, tem o condão de ponderar a menor onerosidade possível a ser imposta ao devedor com a efetividade da execução.” (TJMG – 1ª Câmara Cível – Agravo n. 1.0024.08.076643-9/001 – Rel. Des. Armando Freire – Julg. 23/09/2008 – Publ. 17/10/2008).
De mais a mais, à luz do princípio da proporcionalidade, que “traduz a busca do equilíbrio e harmonia, da ponderação de direitos e interesses à luz do caso concreto como melhor forma de aplicação e efetivação destes mesmos direitos” (CAMPOS, 2004, p. 28), entende-se ser viável, quando o caso concreto merecer adequação, a penhora de apenas 30% (trinta por cento) da retribuição pecuniária líquida mensal da pessoa natural devedora em prol do exequente, de modo a congratular também os princípios da dignidade da pessoa humana e do resultado, respectivamente.
Enfim, nos casos judiciais concretos, quando comprovadamente restar impossível ser efetivada a integral penhora sobre a verba salarial, deve-se efetivá-la na alíquota de 30% (trinta por cento) sobre a retribuição pecuniária líquida (e não bruta) mensal. Justificável, pois, por regra, tal penhora parcial, até o adimplemento integral da dívida (em nosso estudo, os honorários advocatícios), não tem o condão exclusivo de levar o executado (pessoa natural) à insolvência civil, até porque, hodiernamente, é prática usual de mercado o empréstimo consignado com decote salarial mensal por tal alíquota, não inviabilizando a manutenção pessoal e familiar.
No entanto, registre-se que o tema em pauta não é pacífico, senão, os tribunais – de um modo geral – têm entendido pela impenhorabilidade salarial de modo absoluto.
Mas, urge se posicionar de modo diverso, ou seja, possibilitar a penhora em comento. Ora, é cediço que o inadimplemento da verba honorária advocatícia possibilita a execução, e, uma vez inexistindo bem penhorável – inclusive, depois de observada a gradação prevista no art. 655 do Código de Processo Civil, na redação dada pela Lei Federal n. 11.382/2006, in verbis: “A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II – veículos de via terrestre; III – bens móveis em geral; IV – bens imóveis; V – navios e aeronaves; VI – ações e quotas de sociedades empresárias; VII – percentual do faturamento de empresa devedora; VIII – pedras e metais preciosos; IX – títulos da dívida pública da União, Estados e Distrito Federal com cotação em mercado; X – títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; XI – outros direitos.” –, restando, pois, frustrada a pretensão executória, entende-se ser juridicamente plausível a penhora sobre a retribuição pecuniária líquida mensal da pessoa natural devedora, mormente quando esta detém renda mensal hábil à satisfação da obrigação.
Forçoso destacar que o inadimplemento é, por vezes, reflexo do senso de impunidade, pela qual a sociedade está cada vez mais descrente, não obstante também a crise financeira que assola todos os continentes, gerando desemprego (p. ex.). Em outros casos, são puros comportamentos antiéticos de certos devedores, praticados em contraposição ao princípio valorativo que exige fomentar o retilíneo cumprimento da obrigação assumida.
5 Conclusão.
Diante das razões invocadas, conclui-se, pois, pela plausibilidade jurídica da penhora (integral ou parcial, nos termos avençados, até o adimplemento integral do quantum debeatur) sobre a retribuição pecuniária da pessoa natural devedora a favor da parte credora, in casu, o advogado, no que tange à pretensão de se perceber os seus respectivos honorários advocatícios (natureza alimentar) em sede de execução.Destarte, deve-se prestigiar o credor, e não favorecer o devedor, de modo a não incentivar a inadimplência, gerando a respectiva sensação de impunidade, em típica violação à segurança jurídica, propiciando, por via de consequência, o enriquecimento sem causa, a partir da natureza comutativa do contrato de mandato.
Leia mais: http://jus.com.br/revista/texto/22041/a-execucao-de-honorarios-advocaticios-e-a-penhora-sobre-a-retribuicao-pecuniaria-da-pessoa-natural-devedora#ixzz1yLAHaYac
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