quinta-feira, 3 de maio de 2012

DIREITO ELEITORAL

Por que a Resolução 23.376 do TSE não impede que os candidatos com contas de campanha desaprovadas em 2010 sejam candidatos em 2012?


Elaborado em 03/2012.

A Resolução TSE nº 23.376 não pode impedir que os candidatos que tiveram suas contas eleitorais desaprovadas em pleitos anteriores possam ser candidatos em 2012.

1. Introdução

No ano de 2012, o Tribunal Superior Eleitoral, exercendo a função regulamentar, aprovou a Resolução nº 23.376, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012.

Nela consta inovação que está causando grande repercussão no meio jurídico brasileiro: um dispositivo prevendo que a decisão que desaprovar as contas do candidato implicará no impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral.

Tanto a imprensa como os juristas vêm afirmando que esse dispositivo veda que os candidatos que tiveram suas contas desaprovadas nas campanhas de 2010 (ou mesmo anteriores) sejam candidatos em 2012, com fundamento no §2º do artigo 52 da citada resolução.

Em verdade, não acreditamos nessa conclusão.

Embora os argumentos apresentados aqui sejam bem simples, acreditamos ser suficientes para embasar a conclusão acima posta, bastando para isso volver os olhos à legislação eleitoral e interpretá-la sistematicamente, posicionando corretamente o dispositivo citado no contexto em que está inserido, atentando ainda para a forma gramatical com que foi escrito.

2. O campo de abordagem deste artigo

Este artigo não pretende afirmar que o §2º do artigo 52 da Resolução TSE nº 23.376 é inconstitucional ou ilegal porque fere:
a) o §7º do artigo 11 da Lei nº 9504, de 30/09/1997, acrescentado pela Lei nº 12.034, de 29/09/2009, que ao definir o conceito de quitação eleitoral estabeleceu que a simples apresentação das contas pelo candidato lhe assegura a quitação, não sendo necessária a sua aprovação pelo órgão eleitoral.

b) o princípio da anualidade da legislação que rege o processo eleitoral, previsto no artigo 16 da Constituição, considerando que tal resolução, na visão de muitos, criou uma nova causa de inelegibilidade, influenciando diretamente no processo eleitoral. Como somente foi editada em março deste ano, a menos de 7 meses da eleição, a resolução não poderia valer para o ano de 2012.

c) a competência regulamentar pelo Tribunal Superior Eleitoral, que teria sido excedida.
Embora tais argumentos sejam juridicamente relevantes, não serão abordados aqui.

3. O dispositivo em análise

O que impediria a quitação eleitoral aos candidatos que tiveram suas contas da campanha de 2010 desaprovadas, conduzindo consequentemente à inelegibilidade, é o §2º do artigo 52 da Resolução nº 23.376 do TSE, de seguinte redação:
“Art. 52. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada até 8 dias antes da diplomação (Lei nº 9.504/97, art. 30, § 1º).
§1º Na hipótese de gastos irregulares de recursos do Fundo Partidário ou da ausência de sua comprovação, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 dias após o seu trânsito em julgado.
§2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral.”

4. A impossibilidade da Resolução TSE nº 23.376 impedir que os candidatos que tiveram suas contas eleitorais desaprovadas possam ser candidatos em 2012: a aplicabilidade e os efeitos da resolução estão adstritos aos atos realizados nas eleições de 2012.

Com efeito, este artigo destina-se apenas a explicar por que a Resolução TSE nº 23.376 não impede que os candidatos que tiveram suas contas de campanha desaprovadas em 2010 sejam candidatos em 2012.
A citada resolução dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2012.
O §2º do artigo 52 tem a seguinte redação:
“§2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, a decisão que desaprovar as contas de candidato implicará o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral.”
Quadra salientar que a certidão de quitação eleitoral é condição essencial para o eleitor ser candidato: não a possuindo, não pode votar e ser votado.
Pois bem.

De se notar que a Resolução TSE nº 23.376 disciplina, dentre outros aspectos, a prestação de contas nas eleições de 2012, bem como os efeitos jurídicos da decisão que decida sobre a prestação de contas.

Conforme é cediço na própria resolução, tais regras se aplicam somente para as eleições de 2012, visto que os fatos contábeis e financeiros que vão integrar as contas de 2012 ainda não ocorreram, pois serão criados, modificados ou extintos ao longo da campanha, de modo que, após sua conclusão, estes fatos serão discriminados na prestação de contas que será apresentada e julgada pela Justiça Eleitoral.

Se esta decidir pela reprovação, as contas de 2012, e somente elas, sofrerão o novo efeito criado pela Resolução TSE nº 23.376, no artigo 52, §2º: o impedimento do candidato em obter a certidão de quitação eleitoral, deixando-o inelegível para as eleições que se realizarem a partir de então.

Pensamos, portanto, que tal resolução foi criada para regulamentar a prestação de contas do ano de 2012, e não em períodos anteriores, lançando seus efeitos para o futuro, para fatos que dizem respeito às eleições vindouras, como se pode verificar no próprio tempo verbal utilizado nas expressões contidas no dispositivo: a decisão que desaprovar “implicará” (futuro) em impedimento à quitação eleitoral.

O impedimento para obter a certidão de quitação eleitoral, que é o efeito jurídico previsto nesta hipótese, terá como sua causa a desaprovação das contas eleitorais de 2012, e somente a deste ano, porque a Resolução nº 23.376 só tem o condão de estabelecer consequências jurídicas para as contas da campanha de 2012, fim para o qual foi instituída, e não na dos anos anteriores, que foram processadas e julgadas segundo as normas então em vigor, cujos efeitos também foram lá previstos.

Uma dúvida precisa ser esclarecida, sob pena de causar ainda mais discussões: como a Resolução TSE nº 23.376 inovou ao criar um novo efeito para as contas desaprovadas, deveria também assinalar por quanto tempo ele perdura, ou seja, por quanto tempo o candidato vai ficar sem obter a certidão de quitação eleitoral em razão da desaprovação de suas contas na campanha de 2012, e como poderá fazer para regularizar essa pendência, já que, em se tratando de penalidade, não há penas de caráter perpétuo no país, devendo por tal motivo indicar o prazo de sua duração ou os meios para que o candidato possa regularizar sua situação perante a Justiça Eleitoral e novamente obter a quitação, voltando a exercer os direitos inerentes à cidadania.
Outrossim, se a intenção dos magistrados que compõem a mais alta corte eleitoral do país foi impedir que os candidatos com contas desaprovadas na campanha de 2010 fossem candidatos em 2012, parece que ela não se concretizou.
Desconhecemos, é verdade, o teor dos debates ou justificativas que precederam a aprovação da Resolução TSE nº 23.376.
Mas pensamos, por outro lado, ser desnecessária a análise dessas circunstâncias, visto que o texto da resolução que foi aprovado e ingressou no mundo jurídico não abarca nenhum dispositivo que impeça ao candidato com contas desaprovadas em 2010 a ser candidato em 2012, o que inadvertidamente vem-se tentando extrair do já comentado §2º do artigo 52, que somente dispõe sobre os efeitos jurídicos das contas a serem desaprovadas em 2012. E só delas.

Se intenção do TSE era de atingir fatos pretéritos, deveria ter incluído no texto comando expresso neste sentido, utilizando os tempos verbais mais adequados como “os candidatos que tiveram (passado) contas de quaisquer campanha desaprovadas pela Justiça Eleitoral estão (presente) impedidos de obter a quitação eleitoral”, ou “a decisão que desaprovou (passado) as contas de candidato implica (presente) o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral”. Solucionar-se-ia, assim, tormentosa questão que vem gerando insegurança jurídica em razão do seu conteúdo vastamente interpretativo e das declarações desencontradas da imprensa e juristas.

Concluindo este item, pela redação dos dispositivos analisados, nem o espírito da lei nem o do legislador foram alcançados, caso a intenção deles fosse impedir que os candidatos com contas eleitorais rejeitadas em 2010 sejam candidatos em 2012, ante a falta de qualquer disposição expressa neste sentido, havendo para isso, salvo melhor juízo, a necessidade de uma reforma normativa que leve ao texto clareza em seu conteúdo.

5. A impossibilidade da Resolução TSE nº 23.376 impedir que os candidatos que tiveram suas contas eleitorais desaprovadas possam ser candidatos em 2012: a Resolução TSE nº 23.217, que regulamentou a prestação de contas nas campanhas eleitorais de 2010, não previu como efeito jurídico da desaprovação das contas o impedimento à quitação eleitoral.

Para as eleições de 2010 o TSE editou a Resolução nº 23.217, que dispunha sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros e, ainda, sobre a prestação de contas nas eleições de 2010.
Possuía o dispositivo a seguinte redação:
“Art. 40. A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicada até 8 dias antes da diplomação (Lei n° 9.504/97, art. 30, § 1º).
§1º Desaprovadas ou julgadas não prestadas as contas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para as medidas cabíveis.
§2º Na hipótese de gastos irregulares de recursos do Fundo Partidário ou da ausência de sua comprovação, a decisão que julgar as contas determinará a devolução ao Tesouro Nacional no prazo de 5 dias após a decisão definitiva que julgou a prestação de contas de campanha.”
Esta resolução disciplinava a prestação de contas nas eleições de 2010, assinalando como único efeito ao candidato que tivesse suas contas desaprovadas ou não prestadas o envio de cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para as medidas cabíveis, ressaltando que este normalmente ingressava com representação eleitoral pedindo a condenação do candidato por abuso de poder econômico ou gasto ilícito de recursos de campanha, com o fito de torna-lo inelegível.

Assim, para aqueles que tiveram suas contas de campanha desaprovadas nas eleições de 2010, o único efeito contrário era – e ainda é – ficar sujeito às providências cabíveis a serem adotadas pelo Ministério Público Eleitoral, até porque o §7º do artigo 11 da Lei nº 9504, de 30/09/1997, acrescido pela Lei nº 12.034, de 29/09/2009, previu que a simples apresentação das contas pelo candidato é condição suficiente para obter a quitação eleitoral, não sendo necessária, portanto, a aprovação das respectivas contas pela Justiça Eleitoral.

Repisa-se aqui que não há na Resolução TSE nº 23.217, que disciplinou a prestação de contas nas eleições de 2010 e regulamentou os seus efeitos, a previsão de que a quitação eleitoral seria negada ao candidato que tivesse suas contas desaprovadas naquele ano – até porque, em se tratando de norma punitiva que restringe direitos relacionados ao exercício da cidadania, o mais correto seria a previsão expressa deste efeito em desfavor do candidato.

Caso contrário, não havendo a lei do tempo estabelecido tal impedimento, dá-se como inexistente, não escrito.

Finalizando este tópico, quadra salientar que as contas da campanha de 2010 foram processadas e julgadas segundo a lei do tempo: transitada em julgado esta decisão, seus efeitos não podem ser alterados porque recobertos pelo manto sagrado da coisa julgada, não podendo, assim, a uma nova disposição normativa incluir novos efeitos a uma decisão jurídica válida, perfeita e eficaz.

6. A impossibilidade da Resolução TSE nº 23.376 impedir que os candidatos que tiveram suas contas eleitorais desaprovadas possam ser candidatos em 2012: a resolução que regulamenta a escolha e o registro de candidatos nas eleições de 2012 definiu para fins do registro que a quitação eleitoral é concedida mediante a mera apresentação, por parte do candidato, das contas da campanha eleitoral anterior, desnecessária sua aprovação.

Importante ressaltar que a Resolução TSE nº 23.373, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidatos nas eleições de 2012, não impediu que os candidatos que tiveram suas contas de campanha desaprovadas fossem candidatos no pleito deste ano.
Assim ela dispõe:
“Art. 26. O formulário Requerimento de Registro de Candidatura (RRC) conterá as seguintes informações:
(...)
§3º A quitação eleitoral de que trata o § 1º deste artigo abrangerá exclusivamente a plenitude do gozo dos direitos políticos, o regular exercício do voto, o atendimento a convocações da Justiça Eleitoral para auxiliar os trabalhos relativos ao pleito, a inexistência de multas aplicadas, em caráter definitivo, pela Justiça Eleitoral e não remitidas, e a apresentação de contas de campanha eleitoral (Lei nº 9.504/97, art. 11, § 7º).
§ 4º Para fins de expedição da certidão de quitação eleitoral, serão considerados quites aqueles que (Lei nº 9.504/97, art. 11, § 8º, I e II):
I – condenados ao pagamento de multa, tenham, até a data da formalização do seu pedido de registro de candidatura, comprovado o pagamento ou o parcelamento da dívida regularmente cumprido;
II – pagarem a multa que lhes couber individualmente, excluindo-se qualquer modalidade de responsabilidade solidária, mesmo quando imposta concomitantemente com outros candidatos e em razão do mesmo fato.”
Ou seja: considerou suficiente para fins de quitação eleitoral para as eleições de 2012 a mera apresentação das contas da campanha anterior, e não a sua aprovação, seguindo assim o preceituado no §7º do artigo 11 da Lei nº 9504/94. De tal modo, se a nova norma legal pretendesse ampliar este conceito para barrar os candidatos com contas desaprovadas, deveria conter expressamente na parte final do dispositivo, após a expressão “apresentação”, outra palavra, indicando “aprovação” das contas.

Pensando assim, consoante interpretação errônea que se vem dando ao texto normativo, estar-se-ia criando um conceito de quitação eleitoral novo, diferente daquele previsto na Resolução nº 23.373, inviabilizando, ao arrepio da norma, o registro de inúmeros candidatos que tiveram suas contas de campanha apresentadas e não aprovadas, o que não encontra respaldo na legislação em estudo.

7. Conclusão

Em nome da segurança jurídica, não pode uma resolução de 2012 criar efeitos jurídicos para situações criadas, modificadas ou extintas no ano de 2010, sob a égide da lei no tempo, que não previu como efeito pela desaprovação das contas de campanha o impedimento à quitação eleitoral.

Do mesmo modo, o §2º do artigo 52 da Resolução nº 23.376 deve valer apenas para o futuro, pois o dispositivo encontra-se inserido na legislação que rege a prestação de contas das eleições de 2012, criando para as contas desse ano um novo efeito, o que pode ser constatado facilmente pela sua redação.

Finalmente, se houve a intenção da Justiça Eleitoral de impedir que os candidatos com contas desaprovadas em 2010 fossem candidatos em 2012, esta não se concretizou a contento, em vista da redação imprecisa do dispositivo em comento e de sua localização topográfica numa resolução que dispõe sobre prestação de contas de campanha e não de registro de candidaturas.

Por esse motivo, concluímos que a Resolução TSE nº 23.376 não pode impedir que os candidatos que tiveram suas contas eleitorais desaprovadas em pleitos anteriores possam ser candidatos em 2012.

Pensão alimentícia: início e término

Pensão alimentícia: início e término

O dever de pagar pensão alimentícia só começa com a citação do devedor na ação de alimentos. E a emancipação civil não acarreta, por si só, o término da obrigação alimentar, exceto no caso do casamento.
A pensão alimentícia compreende “as prestações devidas, feitas para que aquele que as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional)” (DOS ALIMENTOS. Yussef Said Cahali – 6ª edição – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 16). Para os fins do presente trabalho, interessa tanto a pensão alimentar paga pelos pais aos filhos, como também a pensão alimentícia paga pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro(a) da união estável.

Desde o advento do novo Código Civil a disciplina legal dos alimentos vem evoluindo gradualmente, acompanhando o progresso da sociedade e as novidades trazidas a lume pela jurisprudência. Afinal, nenhum código legal é capaz de prever todas as situações da vida, de modo que a jurisprudência sempre é fundamental para compreensão de um assunto jurídico.

Apenas para se ter uma dimensão da importância do assunto, é oportuno destacar que a grande maioria das ações que tramitam nas Varas de Família envolve a discussão de pensão alimentícia.

Existem as várias modalidades de ações de alimentos: 1) ação de alimentos propriamente dita; 2) ação de exoneração de alimentos; 3) ação revisional de alimentos (podendo ser para majorar ou reduzir) e 4) ação de fixação de alimentos (quando o próprio alimentante toma a iniciativa de oferecer alimentos, também chamada ação de oferecimento de alimentos).

A par das modalidades de ações de alimentos acima citadas, é preciso lembrar que as ações de divórcio (consensual ou litigioso), de separação judicial (consensual ou litigioso), as ações de investigações de paternidade cumuladas com alimentos, e outras, também envolvem a análise da pensão alimentícia. Dito isso, fica claro que a relevância do estudo da pensão alimentícia não pode ser subestimada pelo operador do direito.

O novel Código Civil (Lei nº 10.406/2002) dispõe, in verbis:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Inicialmente, cabe observar que a lei deixa claro que qualquer parente pode pedir alimentos ou outro, desde que comprovado o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante.

Sobre o alcance do parentesco, dos dispositivos do Código Civil merecem destaque, ipsis verbis et litteris:
Art. 1.591. São parentes em linha reta as pessoas que estão umas para com as outras na relação de ascendentes e descendentes.

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.
Após a leitura das normas transcritas, percebe-se que o parentesco na linha reta não sofre limitação de grau, sendo infinito.

Por outro lado, na linha colateral ou transversal, o parentesco só vai até o quarto grau.

O direito aos alimentos não se restringe aos parentes, pois o ex-cônjuge e o(a) ex-companheiro(a) da união estável também têm direito à verba alimentar.

Agora, feitas as observações iniciais acima, cabe indagar quando começa a obrigação alimentar.

Antes de mais nada, cabe lembrar dois brocardos latinos: in praeteritum non vivitur (não se vive no passado) ou nemo alitur in praeteritum (ninguém se alimenta no passado).

Tais aforismos latinos foram acolhidos pela legislação pátria, como se vê abaixo, verbatim:
Art. 13 O disposto nesta lei aplica-se igualmente, no que couber, às ações ordinárias de desquite, nulidade e anulação de casamento, à revisão de sentenças proferidas em pedidos de alimentos e respectivas execuções.

§ 1º. Os alimentos provisórios fixados na inicial poderão ser revistos a qualquer tempo, se houver modificação na situação financeira das partes, mas o pedido será sempre processado em apartado.

§ 2º. Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação (sublinhamos).
A lei é clara: o marco inicial do dever de pagar alimentos é a data da citação, de modo que os alimentos não podem retroagir ao passado de modo indefinido. A jurisprudência ilustra o tema, verbo ad verbum:
DIREITO DE FAMÍLIA E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NATUREZA NÃO RESSARCITÓRIA DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR. EXIGIBILIDADE DESDE A CITAÇÃO. 1. O art. 13, § 2º, da Lei nº 5.478/68 é de clareza meridiana, ao determinar que "em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação". 2. Não há razão, portanto, para que o efetivo pagamento inicie-se somente depois do decurso de 30 (trinta dias) da citação, mesmo porque a verba alimentar, como sói acontecer, é destinada à sobrevivência do alimentando, plasmada, sobretudo, no dever de cuidado à pessoa que dela necessita, não possuindo assim natureza ressarcitória. 3. Recurso especial provido (STJ – Recurso Especial nº 660731/SP (2004/0067020-8), 4ª Turma do STJ, Rel. Luis Felipe Salomão. j. 08.06.2010, unânime, DJe 15.06.2010).
Terminada a análise do marco inicial, cabe agora examinar um assunto mais complexo, referente ao término da obrigação alimentar.

É sempre útil ilustrar o debate com um caso imaginário: se uma mãe cria sozinha um filho por vários anos, por exemplo até o fim da infância, aos 12 (doze) anos, para só então decidir pelo ajuizamento da ação de alimentos, o pai só será obrigado a pagar os alimentos a partir da data da citação (em caso de condenação).
Não é possível pleitear alimentos referentes aos anos passados, que antecederam o ajuizamento da ação de alimentos.

O equívoco mais comum na faina forense é pedir a exoneração de alimentos com fundamento exclusivo na maioridade do alimentando.

Nada mais longe da verdade, pois se a necessidade do alimentando persistir após a maioridade, e o alimentante continuar em condições financeiras de arcar com o ônus da obrigação alimentar, não há motivo para extinção da pensão alimentícia, que deverá permanecer como antes.

Com a maioridade o que muda é apenas o fundamento da obrigação alimentar, que deixa de ser decorrente do “dever de sustento” e passa a ter como base o “dever de solidariedade” resultante do parentesco.

O dever de sustento diz respeito ao filho menor, e vincula-se ao poder familiar (antigo pátrio poder); seu fundamento encontra-se no art. 1.566, IV, do Código Civil de 2002; cessando o poder familiar (vetusto pátrio poder), pela maioridade ou pela emancipação, cessa conseqüentemente o dever em questão (CAHALI, Yussef Said. DOS ALIMENTOS. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
p. 684).


A obrigação alimentar não se vincula ao pátrio poder, mas à relação de parentesco, representando uma obrigação mais ampla que tem seu fundamento no art. 1.696 do Código Civil de 2002; tem como causa jurídica o vínculo ascendente-descendente (CAHALI, Yussef Said. Obra citada, p. 685). É o que se chama princípio da solidariedade entre parentes. Aliás, existe um trecho de julgado que merece ser transcrito: “é consabido que os alimentos entre os cônjuges é de cunho assistencial, como decorrência da obrigação de auxílio mútuo, indelével solidariedade estabelecida pelo casamento, do mesmo modo que a obrigação legal de alimentos entre parentes” (Apelação Cível nº 2009.031334-4, 6ª Câmara de Direito Civil do TJSC, Rel. Altamiro de Oliveira. Publ. 18.03.2011) (Fonte: Juris Plenum; site: www.plenum.com.br).

Em julgado recente, o egrégio Tribunal de Justiça do Ceará abordou o assunto com acerto, verbo ad verbum:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DE FAMÍLIA. FILHO MAIOR DE IDADE. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA INCAPACIDADE PARA O TRABALHO. EXONERAÇÃO DE ENCARGO ALIMENTAR. CABIMENTO. RECURSO PROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência já consolidada, a maioridade não faz cessar, por si só, a obrigação de prestar alimentos ao filho, pois no referido caso, os alimentos deixam de ser fundados no dever de sustento dos pais para com os filhos menores, previsão do art. 1.566, inc. IV, do CC e passando a embasar-se na obrigação decorrente do parentesco conforme disposição do art. 1.694 e seguintes, CC, deixando de existir, nesse momento, a presunção de necessidade e, em consequência, exige a prova por quem alega, isto é, pelo alimentando. 2. O dever de prestar alimentos aos filhos pode se estender até os 24 (vinte e quatro) anos, considerando que, nessa idade, os mesmos já terão, provavelmente, concluído sua formação, estando em idade laboral. 3. Contudo, a apelada além de ter alcançado a maioridade, estando à época da ação com 25 (vinte e cinco) anos, e atualmente com 30 (trinta) anos, não continuou seus estudos, tendo concluído apenas o ensino médio em 2001. 4. A apelada não faz mais jus à assistência paterna, pois mesmo que constem dos autos comprovantes que atestam que a genitora da apelada tem problemas de saúde, não encontro qualquer comprovação de que a apelada se encontre incapacitada para o trabalho. 5. A despeito da enfermidade que acomete a mãe da apelada, bem como o fato de a mesma precisar cuidar também de sua avó, o ônus que advém desses fatos, não pode ser imposto ao pai da alimentada, mantendo ad aeternum essa dependência, incentivando o ócio e a acomodação pessoal, de modo a gerar a situação de uma senhora de 30 (trinta) anos, saudável, apta ao labor, mas que não se presta ao trabalho, por depender de uma pensão alimentícia sem razão de ser. 6. Não cabe ao filho maior de idade, o qual não esteja cursando ensino superior ou incapacitado para o trabalho, direito à pensão alimentícia com base em relação de parentesco, sob pena de malferimento ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, além de incitar o ócio e o comodismo. 7. Recurso conhecido e provido. (Apelação nº 36069-79.2006.8.06.0001/1, 1ª Câmara Cível do TJCE, Rel. Paulo Francisco Banhos Ponte. unânime, DJ 03.11.2011)(sublinhamos).
Com a devida vênia, é necessário discordar apenas da parte final do julgado acima transcrito, pelas razões que seguem adiante.

Por ocasião do julgamento de um recurso especial, o ministro Castro Filho afastou a alegação de que o Código Civil só assegura aos filhos maiores o direito a alimentos quando não puderem prover a própria subsistência por meio de seu trabalho (Notícias do Superior Tribunal de Justiça. Disponível na Internet via http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=9711).

O ministro Castro Filho sustentou que “o fato de atingir a maioridade não significa que o alimentante (o pai) se exonera da obrigação alimentar, pois esta é devida entre ascendentes e descendentes, enquanto se apresentar como necessária” (Notícias do Superior Tribunal de Justiça. Disponível na Internet via WWW.URL: http://www.stj.gov.br/webstj/Noticias/detalhes_noticias.asp?seq_noticia=9711).

Na realidade, opera-se apenas a mudança da causa da obrigação alimentar, que deixa de ser o dever de sustento decorrente do pátrio poder e passa a ser o dever de solidariedade resultante do parentesco.

Existe ainda outro julgado muito recente do colendo Superior Tribunal de Justiça que merecer ser conferido, ipsis verbis et litteris:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ALIMENTOS. CURSO SUPERIOR CONCLUÍDO. NECESSIDADE. REALIZAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. O advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. 2. É presumível, no entanto, - presunção iuris tantum -, a necessidade dos filhos de continuarem a receber alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou técnico, por força do entendimento de que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. 3. Porém, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que tem por objetivo, tão só, preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado. 4. Em rigor, a formação profissional se completa com a graduação, que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante. 5. Persistem, a partir de então, as relações de parentesco, que ainda possibilitam a percepção de alimentos, tanto de descendentes quanto de ascendentes, porém desde que haja prova de efetiva necessidade do alimentado. 6. Recurso especial provido. (STJ - Recurso Especial nº 1218510/SP (2010/0184661-7), 3ª Turma do STJ, Rel. Nancy Andrighi. j. 27.09.2011, unânime, DJe 03.10.2011).
Fazendo-se uma constatação objetiva da realidade do magistério universitário no Brasil, é impossível negar que “atualmente, o mestrado e/ou doutorado são requisitos básicos exigidos em qualquer concurso público para professor universitário. E não é à toa. A formação de professores universitários é um dos objetivos da pós-graduação stricto sensu” (Fonte: http://www.posgraduando.com/pos-graduacao/a-pos-graduacao-prepara-para-o-ensino-superior. Visitado em 21 de fevereiro de 2012).

À luz da atual realidade do mercado de trabalho para professores universitários, no qual cada vez mais se exige uma formação com maior profundidade, é inegável que o alimentando tem direito à pensão alimentícia enquanto cursar pós-graduação lato sensu (especialização) e stricto sensu (mestrado ou doutorado).

Assim sendo, a tendência é que no futuro os Tribunais passem a reconhecer tal direito do alimentando com maior frequência, pois o Judiciário não pode julgar os fatos de forma alheia à real situação vivida pela sociedade dos dias de hoje.

Verdade seja dita, o atual Regulamento do Imposto de Renda, reproduzindo dispositivo existente na legislação anterior, corrobora a opinião jurídica de que os filhos maiores, até os 24 anos, que estejam cursando estabelecimento de ensino superior, são considerados dependentes à luz do Direito Tributário.
O Decreto n° 3.000/1999 dispõe, in verbis:
Art. 77. Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto, poderá ser deduzida do rendimento tributável a quantia equivalente a noventa reais por dependente (Lei nº 9.250, de 1995, art. 4º, inciso III).
§ 1º Poderão ser considerados como dependentes, observado o disposto nos arts. 4º, § 3º, e 5º, parágrafo único (Lei nº 9.250, de 1995, art. 35):
I - o cônjuge;
II - o companheiro ou a companheira, desde que haja vida em comum por mais de cinco anos, ou por período menor se da união resultou filho;
III - a filha, o filho, a enteada ou o enteado, até vinte e um anos, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
IV - o menor pobre, até vinte e um anos, que o contribuinte crie e eduque e do qual detenha a guarda judicial;
V - o irmão, o neto ou o bisneto, sem arrimo dos pais, até vinte e um anos, desde que o contribuinte detenha a guarda judicial, ou de qualquer idade quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho;
VI - os pais, os avós ou os bisavós, desde que não aufiram rendimentos, tributáveis ou não, superiores ao limite de isenção mensal;
VII - o absolutamente incapaz, do qual o contribuinte seja tutor ou curador.
§ 2º Os dependentes a que referem os incisos III e V do parágrafo anterior poderão ser assim considerados quando maiores até vinte e quatro anos de idade, se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau (Lei nº 9.250, de 1995, art. 35, § 1º).
O colendo Superior Tribunal de Justiça já chegou a decidir que os alimentos só seriam devidos “ao filho até a data em que vier ele a completar os 24 anos, pela previsão de possível ingresso em curso universitário” (STJ – 4ª turma – RESP 23.370/PR – Rel. Min. Athos Carneiro – v.u. – DJU de 29/03/1993, p. 5.259).
Com efeito, não existe nenhum critério científico para limitar o pagamento de pensão alimentícia ao filho somente até os 24 (vinte e quatro) anos.

A única referência legal aos 24 (vinte quatro) anos de idade é aquela constante da legislação tributária citada acima.

Não faz sentido limitar um direito civil com base numa referência de legislação tributária.

A vida forense está repleta de casos em que irmãos, tios, primos e sobrinhos obtêm pensão alimentícia apenas com base no binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante. Seria antijurídico negar ao filho a mesma pensão alimentícia que se concede aos parentes colaterais.

Exemplificando, pode acontece de o filho nunca ter recebido pensão alimentícia em toda vida e até mesmo já ter trabalhado com suficiente independência financeira, mas de repente ser atingido pelo desemprego, ainda que temporariamente. Em tal caso não há motivo para negar-se o direito de alimentos ao filho.

Partindo-se da premissa de que o Código Civil é uma lei que não limita no tempo a duração do pagamento da pensão alimentícia, surgem dois critérios úteis de hermenêutica que afastam a simplista alegação de que a pensão alimentícia terminaria quando o alimentando completasse 24 (vinte e quatro) anos.

Primeiramente, pelo critério hierárquico, o Código Civil é uma lei ordinária, enquanto o Regulamento do Imposto de Renda é um mero decreto, portanto inferior na hierarquia das normas legais.

Em segundo lugar, vem o critério da especialidade, pois o Código Civil tem primazia para di
sciplinar a questão dos alimentos, que se insere no Direito de Família, que é um ramo do Direito Civil. Por outro lado, o Regulamento do Imposto de Renda pertence ao Direito Tributário, não tendo como fundamentar qualquer decisão acerca do instituto civil dos alimentos, visto que sendo uma regra do Direito Tributário, não guarda pertinência com a matéria alimentar. É incorreto misturar grandezas imiscíveis:

alimentos pertencem ao Direito Civil, enquanto a tributação pertence ao Direito Tributário.

Logo, não há como fugir à conclusão de que os alimentos perduram enquanto houver a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, pois não existe nenhum marco temporal no Código Civil determinando o fim do pagamento da pensão alimentícia.

Por outro lado, também não se pode ignorar o postulado da reciprocidade do dever alimentar entre pais e filhos, sob pena de se incorrer em situações absurdas.

O novel Código Civil (Lei nº 10.406/2002) dispõe, in verbis:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Destarte, quando se diz que o Código Civil não fixou um marco temporal para delimitar o término da pensão alimentícia, não se quer dizer que os alimentos sejam eternos, pois do contrário estar-se-ia afrontando o preceito do art. 1.696.

Em abono do pensamento acima, Sérgio Gilberto Porto ensina que a obrigação alimentar recíproca entre pai e filhos estatuída no art. 1.696 do Código Civil de 2002 não se submete a qualquer critério etário, e acrescenta que “se é certo que, com a maioridade ou emancipação, cessa o pátrio poder, também é certo que, tão-somente com o implemento de tal fato, não será  extinto o dever alimentar, merecendo que se analise, caso a caso, o binômio necessidade-possibilidade” (DOUTRINA E PRÁTICA DOS ALIMENTOS. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 45).

Em abono do pensamento acima, Sérgio Gilberto Porto ensina que a obrigação alimentar recíproca entre pai e filhos estatuída no art. 1.696 do Código Civil de 2002 não se submete a qualquer critério etário, e acrescenta que “se é certo que, com a maioridade ou emancipação, cessa o pátrio poder, também é certo que, tão-somente com o implemento de tal fato, não será  extinto o dever alimentar, merecendo que se analise, caso a caso, o binômio necessidade-possibilidade” (DOUTRINA E PRÁTICA DOS ALIMENTOS. 3ª edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p. 45).
A jurisprudência reforça o entendimento acima, verbatim:
DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS. EXONERAÇÃO. ALIMENTANDO. MAIORIDADE CIVIL. ESTUDOS. CONCLUSÃO. RENDA PRÓPRIA. INEXISTÊNCIA. OBRIGAÇÃO ALIMENTÍCIA. ALFORRIA. IMPOSSIBILIDADE. MIGRAÇÃO DO PODER FAMILIAR PARA O DEVER DE ASSISTÊNCIA RECÍPROCA INERENTE AO PARENTESCO. PRESERVAÇÃO DA VERBA. 1. A maioridade civil do filho não consubstancia, por si só, causa apta a ensejar a alforriar do genitor da obrigação de continuar destinando-lhe alimentos, ensejando simplesmente a migração da obrigação alimentícia do poder familiar (CC, art. 1.634), que incorpora a obrigação de ambos os genitores concorrerem para a subsistência do filho menor, para a obrigação alimentícia decorrente do vínculo de parentesco (CC, art. 1.694), que, a seu turno, está plasmada na necessidade de o alimentando contar com a concorrência do alimentante para o custeio das despesas inerentes à sua subsistência. 2. A maioridade civil não traduz nem importa automática emancipação econômica do filho, afigurando-se conforme com a obrigação alimentícia decorrente do vínculo de parentesco que, estando frequentando estabelecimento de ensino e não exercitando atividade laborativa, continue sendo fomentando com alimentos de conformidade com a capacidade contributiva ostentada pelo pai até que conclua os estudos e se insira no mercado de trabalho ou passe a laborar e angariar meios suficientes para o custeio das despesas inerentes à sua subsistência. 3. Apelação conhecida e provida. Unânime (STJ – Processo nº 2010.03.1.031894-3 (546367), 1ª Turma Cível do TJDFT, Rel. Teófilo Caetano. unânime, DJe 17.11.2011) (Fonte: Juris Plenum; site: www.plenum.com.br).
O egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba foi feliz ao abordar o assunto, verbo ad verbum:
APELAÇÃO CÍVEL. EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS. FILHA MAIOR E ESTUDANTE. ENCARGO ALIMENTAR QUE SE IMPÕE ATÉ A CONCLUSÃO DO CURSO. NÃO COMPROVAÇÃO DA ALTERAÇÃO DO BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE. PROVIMENTO. A maioridade civil implica emancipação, tornando-se a pessoa apta para todos os atos da vida civil, entretanto, não desobriga os pais do sustento dos filhos, uma vez que a obrigação de prestar alimentos não decorre apenas do poder familiar, mas, também, do vínculo de parentesco, mormente quando resta comprovado que o alimentado ainda é estudante, necessitando do percebimento de referida parcela para o custeio de sua educação (TJPB – Apelação Cível nº 075.2010.000804-6/001, 4ª Câmara Cível do TJPB, Rel. Romero Marcelo da Fonseca Oliveira. unânime, DJe 03.05.2011).
Engana-se ainda quem supõe que a emancipação prevista no art. 5ª do Código Civil extingue o dever alimentar. Não é o caso.
Na hermenêutica jurídica existe um preceito fundamental segundo o qual “a lei não contém palavras inúteis”.
Na hipótese de casamento, por coincidência, nos deparamos com um caso de emancipação que também constitui causa de extinção da obrigação alimentar. Vejamos o que diz o Código Civil, in verbis:
Art. 1.708. Com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.
Parágrafo único. Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor.
O caput do art. 1.708 do Código Civil realmente deixa claro que o casamento extingue o dever alimentar, mas as outras hipóteses de emancipação do art. 5º do Diploma Substantivo Civil não têm o mesmo condão.
A lei não contém palavras vãs, de modo que se o legislador ao prever expressamente a cessação do dever de prestar alimentos referiu-se apenas ao casamento, é porque as demais hipóteses do art. 5º do Código Civil foram descartadas como causas de extinção da pensão alimentícia. Não existe outra interpretação válida senão esta.
Aliás, não se deve esquecer que o parágrafo único do art. 1.708 do Código Civil prevê outro caso de extinção da obrigação alimentar: quando o alimentando (credor dos alimentos) tiver procedimento indigno em relação ao alimentante (devedor dos alimentos).
Assim, o casamento e o comportamento indigno em relação ao alimentante são as únicas hipóteses expressamente previstas em lei que independem de análise de prova referente ao binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante. Nos demais casos será preciso sempre fazer um estudo das provas carreadas aos autos.
A análise do binômio necessidade do alimentando versus possibilidade do alimentante é tão importante que vem expresso no § 1º do art. 1.694 do Código Civil: “Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.
A presente pesquisa seria incompleta se não fossem analisadas as questões do exercício de trabalho remunerado e da conclusão do curso superior.
Tais situações são casos de emancipação legal, pois estão previstos no art. 5ª do Código Civil.
Aqui, cabe consultar novamente o Código Civil, ipsis verbis et litteris:
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento (sublinhamos).
Ora, a legislação deixa claro que não basta o exercício de emprego para justificar o fim da obrigação alimentar, pois é necessário que o trabalho exercido pelo alimentado proporcione meios para que o mesmo possa se manter, o que nem sempre acontece, especialmente no Brasil, onde muitos jovens trabalham recebendo muito abaixo do valor do salário mínimo.

A conclusão do curso superior é uma situação de emancipação legal que pode, em tese, contribuir para independência financeira do alimentando, mas na atual conjuntura de grande concorrência no mercado de trabalho, não se pode esperar que o graduado recém-formado consiga se estabelecer e viver de forma totalmente independente de uma hora pra outra. Logo, tal situação não enseja, por si só, o fim da pensão alimentícia.

A hipótese de emancipação legal do inciso V do art. 5º do Código Civil já é um pouco mais complexa, conforme segue: “pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria”.

Uma leitura apressada do inciso V do art. 5º do Código Civil poderia induzir o leitor a pensar que em tal caso haveria uma extinção da obrigação alimentar de forma atípica, pois ocorreria antes da maioridade. Não é o melhor entendimento.

Se o menor com dezesseis anos completos conseguir-se de fato efetivamente manter-se sozinho, então não haverá necessidade de receber pensão alimentícia, caso contrário, ainda será possível pleitear judicial o recebimento da verba alimentar. Aqui vale o que falamos em relação ao exercício de emprego público efetivo. Definitivamente, o valor atual do salário mínimo não atende às exigências do inciso IV, do art. 7º, da Carta Magna de 1988 (“salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo”).

Também precisa ser colocado em perspectiva que o estabelecimento com economia própria muitas vezes é precário, ou seja, provisório, temporário.

Ademais, muitas vezes existe incompatibilidade entre a frequência aos estudos e o exercício de atividade remunerada. Não se pode pedir que um filho faça a escolha de Sofia. Abdicar dos estudos em nome da sobrevivência, ou sacrificar a sobrevivência em favor dos estudos. A continuidade da prestação de alimentos é um imperativo que se impõe.

O raciocínio do parágrafo acima somente é válido quando o alimentando recebe salário mínimo e o alimentante tem condição financeira privilegiada, realmente boa, pois do contrário estar-se-ia violando o § 1º do art. 1.694 do Código Civil, que consagra o binômio necessidade do alimentando e possibilidade do alimentante.

À guisa de conclusão, é exato asseverar que o dever jurídico de pagar a pensão alimentícia só começa com a citação do devedor na ação de alimentos, de modo que o passado anterior não pode ser cobrado de forma retroativa. E por outro lado, as diversas hipóteses de emancipação previstas no Código Civil não acarretam, por si só, o término da obrigação alimentar, exceto no caso do casamento, por existir disposição legal específica sobre o assunto.

Lei Maria da Penha: para além da medida protetiva

Lei Maria da Penha: para além da medida protetiva

A Lei Maria da Penha é uma das leis mais importantes da produção legislativa nacional recente. Entretanto, não tem surtido o efeito esperado pela sociedade e, em especial, pelas vítimas, ante a morosidade dos procedimentos penais relacionados ao caso.

A Lei Maria da Penha, ao lado de outras políticas públicas e normas protetivas ao direito das mulheres, como a Lei dos Alimentos Gravídicos, por exemplo, teve grande impacto social e jurídico ao trazer de forma clara e sem pudor o debate sobre a agressão contra as mulheres dentro dos relacionamentos afetivos, situação recorrente na sociedade, mas velada como sendo um subproduto das relações conjugais, tratada até então de soslaio pelo Poder Público.

O Supremo Tribunal Federal, em 2012, exarou duas importantes decisões sobre a Lei Maria da Penha, declarando-a constitucional e dispensando a ratificação da vítima para processamento do agressor na seara penal, bem como os juízos de primeiro e segundo grau, no tocante às medidas protetivas, tem apresentado soluções inovadoras e até estendido seus efeitos em favor dos homens, inclusive.

Não há dúvidas que a Lei Maria da Penha é umas das leis mais importantes da produção legislativa nacional recente, muito feliz em suas colocações e previsões, até porque tem finalidade nobre: evitar que se repita a mesma – e triste – história do acontecido à mulher vítima de agressão doméstica que deu nome à lei.

Sem dar um tom pessimista ou piorar a situação já deteriorada apresentada pela realidade fático-jurídica, nota-se que na esfera penal a Lei Maria da Penha não tem surtido o efeito esperado pela sociedade – e em especial, pelas vítimas –, ante a morosidade dos procedimentos penais relacionados ao caso.
Grande parte desta ineficácia se dá pela falta de aparato às policias e ao judiciário, onde o baixo número de agentes, servidores, juízes e promotores não conseguem suportar o número de procedimentos e processos que a cada dia avoluma-se nas delegacias e judiciário, não só decorrentes desta lei, promovendo um sentimento de impunidade aos agressores que possuem contra si medidas protetivas em favor de seus cônjuges, companheiras e namoradas, pois hora há demora na emissão de tais medidas, hora, quando são emitidas, sua efetividade é minguada pela falta de punição aos agressores que as descumpre.
 
Muitas vítimas chegam a registrar até 30 boletins de ocorrência, após medidas protetivas já exaradas, relatando seu descumprimento, demonstrando que na maioria das vezes, estas não são suficientes para dar real efetividade aos direitos das vítimas de agressão doméstica. 
Em situações como esta, a mulher que sofre ameaças, agressões, entre outras condutas rechaçadas pela lei Maria da Penha, precisa, no intuito de efetivar seus direitos, adotar em relação ao agressor uma postura um pouco mais ativa e, de certa forma, alternativa.
A primeira é, através de advogado, incitar o representante do ministério Público a demandar contra o ex - companheiro ações penais paralelas para punir (e com isto tentar diminuir) a prática perpetrada contra a vítima, tais como crimes de ameaça e de desobediência, quando a situação não envolve agressões físicas, pois quando há, outros crimes surgem também.
Neste contexto, em paralelo, e, a meu ver, muito mais efetivo – pois o bolso, nesta sociedade capitalista é, sem dúvidas, a parte mais sensível do corpo humano -, surgem demandas cíveis a serem propostas, e as principais que discutirei neste momento, são: a) AÇÃO DE DANOS MORAIS; b) AÇÃO DE OBRIGAÇÃO FAZER ou NÃO FAZER, com pena de multa.
A primeira, ação de DANOS MORAIS, com fundamento nos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil e 64 e seguintes do Código de Processo Penal. Além, também, da regra da liquidação de sentença criminal prevista no art. 935 do mesmo diploma e art. 63 do Código de Processo Penal, in verbis:
Art. 935 (CC). A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Art. 63 (CPP). Transitada em julgado a sentença condenatória, poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros.
Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.
Em tais medidas, quer para fixação, como para liquidação (e apuração) do quantum indenizatório – danos patrimoniais e compensação pelos danos extrapatrimoniais (morais), busca-se obter do agressor que não cumpre as medidas protetivas, ou pratica crimes e contravenções contra a mulher que fica acuada a tais condutas, a princípio, impunes, ser condenado a COMPENSAR financeiramente a vítima com um valor de danos morais que poderá variar, à luz das decisões dos tribunais estaduais, numa indenização que variará de 10 até 100 salários mínimos.

A intenção aqui não é causar o enriquecimento da vítima, pelo contrário, é desmotivar o agressor a realizar a conduta que tem perpetrado, pois tornar-se-á cada vez mais custosa – financeiramente – sua conduta.

Muitos – numa crença de impunidade decorrente da demora do processo criminal – não são desmotivados a praticar a conduta com as ações penais, mas, numa sociedade capitalista como a nossa, onde o lado financeiro é muito valorizado e o jargão que o “bolso é a parte mais sensível do homem” é cada vez mais confirmado, ação desta natureza, sem dúvida, surtirá grande e eficaz efeito, até porque ações indenizatórias como esta – se limitada a 40 salários mínimos – poderão ser propostas em juizados especiais, com duração de aproximadamente um ano.

OUTRA OPÇÃO que poderá obter bastante eficácia, pois é mutante e adaptável caso a caso, é a ação de OBRIGAÇÃO DE FAZER ou NÃO FAZER, que seria uma extensão – cível – da medida protetiva, fundada no art. 461 do CPC.

Nesta via, buscar-se-á efetividade às necessidades do caso concreto, como, TERAPIA COMPULSÓRIA com fixação de astreintes por cada falta em sessão designada, AFASTAMENTO, sob pena de multa em caso de descumprimento, FIXAÇÃO de astreintes para outras situações, como por envio de e-mails, ligações, mensagens, enfim, atos comprováveis de perturbação e coação da vítima.

Lembrando que, além destes reflexos financeiros, poderá existir, em decorrência de repetidos descumprimentos, o processamento criminal, via ofício do juízo cível ao criminal, por CRIME DE DESOBEDIÊNCIA.

O leque deste procedimento é extremamente largo em busca da efetividade almejada pela vítima, já que o fundamento de tais medidas reside num dos artigos mais interessantes da lei processual civil vigente:
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ - Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
EM SUMA, a Lei Maria da Penha não se encontra sozinha, está correlacionada com outras normas jurídicas, em especial, o Código Civil e de Processo Civil, o que poderá majorar sua abrangência, culminando na EFETIVIDADE que tanto se almeja para a referida norma e seu intento.